Vou abordar aqui duas fases do desenvolvimento do processo matemático. Essa distinção nos facilita trabalhar com as crianças em cooperação com as leis de desenvolvimento mental.
Num primeiro estágio nossos pequenos estão construindo através da experiencia diária suas noções básicas do mundo e dentre elas estão as noções de tempo, espaço e número. Graças a Deus, o cérebro poderoso de um bebê já vem programado para formar esses conceitos através da prática. De que outra forma poderíamos ensinar a uma criança conceitos tão abstratos?
Numa fase posterior a criança começa a ser capaz de associar esses conceitos com representações simbólicas (o uso do numeral 2 para simbolizar uma quantidade ou tempo ou medida que expressa a ideia que ela assimilou do que é ‘dois’ – mais que um, menos que três).
Não só isso, mas, com a capacidade de usar símbolos mais livremente, nesse estágio, ela consegue manipular com sucesso os símbolos de operações matemáticas (+,-, x,÷,=,<,> e etc) para resolver no papel o que fazia instintivamente na cabeça. Ela sabe que quatro é mais ou maior que três muito cedo mas ser capaz de lidar com isso em símbolos (4 > 3) em vez de no concreto é muito diferente! Por exemplo: Ele ganhou quatro balões mas eu só três. Ele tem mais!Para nós que dominamos o símbolo tão bem quanto o conceito tudo é a mesma coisa. Mas para uma criança que ainda está extraindo e desenvolvendo seu pensamento matemático daquilo que manipula (ou pelo menos vê), o uso de símbolos no papel traz confusão e frustração.
Se entendermos e nos lembrarmos disso talvez fiquemos menos ansiosos de vê-los fazendo continhas com lápis e papel e mais maravilhados de acompanhar e guiar o desenvolvimento dessa maratona matemática que ocorre nos seus primeiros 7 -10 anos de vida. (Com variações de criança para criança em idade especifica mas não na ordem do desenvolvimento). Para termos uma ideia é só pensar quão difícil seria escrever com um alfabeto diferente. Podemos ter o pensamento e a linguagem, mas o símbolo se torna uma barreira e não um meio de expressão.
Na prática: Os primeiros anos são a época de explorar com todos os sentidos e experimentar com o mundo real. Pense no que se estuda nos primeiros anos de escola em termos de matemática: operações básicas; tempo; medidas de comprimento, volume, área; dinheiro; geometria e etc. Agora olhe ao redor e pense como seu pequeno pode experimentar e descobrir tudo isso. Não estamos falando aqui de informação e memorização mas experiência, observação, consideração e descoberta.
Quem já não viu uma criancinha de dois anos contando de um a dez ou recitando o alfabeto e os pais ou avós orgulhosos da inteligencia da criança? Soa inteligente mas é só repetição. Nessa fase de aprender a falar a memória para palavras e sons é excelente e o vocabulário se amplia. Inteligência verbal e memória é manifestada no contar. Nenhuma relação com pensamento matemático em si.O que fazer então?
1. Distribuir as frutas dando uma para cada pessoa é matemática. Correspondência um a um é essencial para entender números. Para comparar quantidade o primeiro passo é colocar um para cada um e ver se sobrou ou faltou.
2. Colocar os pratos e talheres na mesa, pegar uma meia para cada pé, dar uma folha para cada criança colorir na escola sabatina, pôr uma azeitona em cada empadinha um pires pra cada xícara, uma semente em cada buraco e etc.
3. Comparar pra ver qual é maior ou menor. Essa é uma ideia básica de subtração cujo resultado é chamado diferença. Você compara dois números e descobre a diferença. Qual tem mais? No começo a comparação é física pondo um em cima do outro ou lado a lado. Não é preciso contar para fazer isso. Lembra das torres de cubinhos ou Legos? Faça uma do mesmo tamanho ou menor e comente.
4. Separar coisas por tamanho ou cor ou forma ou textura (classificação). Roupas claras numa lavada e escuras na outra, meias do papai e meias da criança, guardar faca com faca e colher com colher.
5. Fazer pares de coisas (meias, sapatos, etc) ajuda na discriminação e traz naturalmente a ideia de par e ímpar e correspondência um a um.
6. Volume. Será que a comida da panela cabe na vasilha? Você acha que nosso cachorro caberia nessa casinha? Quantos copos de suco cabem nessa garrafa? E naquela? Quantos baldinhos de areia a gente tirou do buraco?
Eu costumava colocar feijões na minha mão e deixa-los olhar bem. Depois eu escondia minha mão e tirava um feijão. Dai perguntava pra eles adivinharem quantos ficaram. Eles amavam!Eu começava com adição simples acrescentando um ou dois e depois ia pondo mais ou menos. Num segundo momento começava a tirar (subtração).
Depois que eles adivinhavam eu abria a mão para eles verem e descobrir se adivinharam certo. Não sou eu que digo se está certo ou errado. Se eles errarem a gente pode fazer de novo com a mão aberta para eles verem acontecer.Assim se vai passando do concreto para a visualização mental. No jogo de adivinhar parte e visto e parte imaginado o cálculo vai se tornando mental. Minhas crianças faziam muito cálculo mental de todo tipo antes de começarem a lidar com eles no papel. Mas sempre foi brincadeira e a gente se divertia.Assim eles não fazem distinção de matemática, vida e brincadeira. Fica um gostinho bom na memória – sem traumas.
Daqui para o trabalho com papel e símbolos é um pulo. Quando chegarem lá os conceitos estão claros e é mais fácil aprender a técnica no papel. No dia a dia normalmente usamos processos diferentes para fazer os cálculos de cabeça.
O processo do desenvolvimento matemático é um processo fluído. A cada dia a criança ouve os números e vai aprendendo. ‘Dois gatinhos!’. ‘Os dois chinelos estavam aqui. Agora só tem um’. ‘Ganhei três mexericas: uma, duas, três.’ Aprender a contar é importante, mas com significado. No dia a dia a gente vai ajudando a criança a pensar. As perguntas e brincadeiras nada mais são do que problemas verbais que a criança primeiro vê com os olhos e depois com a imaginação. Dai, quando chegam os símbolos ou representações matemáticas elas poderão manipulá-las como fazia com as idéias e continuar usando sua capacidade de visualização para entender e resolver problemas reais ou imaginários.
Silvia Martins
Foto: Freepik
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